Neste terceiro capítulo da série cartões que acumulam milhas ou cashback, vamos detalhar como funciona o mercado de pagamento com cartões, desde quando você paga alguma conta num estabelecimento, e também avaliar uma outra forma de pagamento bastante interessante que surgiu recentemente.
Pode parecer um assunto “chato”, mas se você é um usuário que gosta dessa forma de pagamento, é importante saber quem são os principais participantes do mercado de pagamento com cartões, que é interessante e complexo.
Para quem chegou neste artigo sem saber o que está acontecendo, recomendo muito ler os dois primeiros episódios da série: “Cartão com cashback ou pontos? Qual o melhor?” e “Por que todo mundo quer o cartão do Pão de Açúcar?”
Para começar, vamos entender o que acontece quando você paga algo com cartão de crédito?
Aqui você encontra:
Custos Numa Transação com Cartão de Crédito
Repare no desenho a seguir como é o fluxo de recursos quando você compra algum produto em um estabelecimento:
Por exemplo, vamos imaginar que você foi a um restaurante e pagou R$100 de conta. Aproveita para pagar com seu super cartão de crédito para acumular aquelas valiosas milhas, pontos ou cashback, conforme vimos nos posts anteriores.
Mas você acha que o restaurante irá receber os mesmos R$100 no final? Será que é rápido ou demora muito? Com certeza não receberá o valor integral, poderá receber até 5% menos que os R$100, além de ter que esperar cerca de 30 dias para isso. Mas por quê?
Devido à estrutura complexa de arranjo de pagamentos, envolvendo diversos agentes que são remunerados durante o processo.
Pra entender melhor o mercado de pagamento com cartões, vamos apresentar os principais agentes desse processo:
- Credenciadoras (empresas como Cielo, Rede, GetNet, Stone, PagSeguro, etc.), também chamadas de adquirentes: responsáveis por cadastrar os estabelecimentos para aceitar cartões como forma de pagamento, distribuem as “maquininhas” que capturam as transações, realizam a transmissão de dados das transações e fazem a liquidação, depositando os créditos nas contas dos varejistas.
- Emissores (especialmente os grandes bancos, mas com participação cada vez maior das fintechs): fazem a análise de crédito e, se aprovado, fornecem o cartão (plástico) ao consumidor, cobram anuidade (ou não), emitem e cobram via fatura mensalmente
- Bandeiras: licenciam suas marcas para as credenciadoras e os emissores de cartão, fazem a ponte entre eles e coordenam o sistema de aprovação, compensação e liquidação. Os principais são Visa, Mastercard, Elo, Diners, American Express e Hipercard.
Fluxo Resumido
Você entra numa loja, realiza a compra, entrega o cartão de crédito para o atendente e digita a senha (ou paga por aproximação).
Ele passa o cartão na maquininha que recebeu da credenciadora. A maquininha faz a captura da compra, contata a bandeira e lhe envia os dados da transação.
A bandeira direciona as informações ao emissor, para verificar se ela é aprovada (possui limite de crédito disponível, gerou alguma suspeita); em caso positivo, a credenciadora comunica a aprovação (através daquela mensagem “Compra Aprovada” no visor da tela).
Você sai feliz com o produto comprado e, depois de um prazo determinado pela bandeira (normalmente em torno de 30 dias), a credenciadora entrega o dinheiro ao lojista.
Remuneração dos Participantes
A tarifa cobrada pelas credenciadoras é chamada de MDR (Merchant Discount Rate), que pode chegar até 5% no crédito e 3% no débito, dependendo do porte do cliente, segmento, etc.
Contudo, com a competição cada vez mais acirrada entre as grandes empresas do setor (conhecida como a “guerra das maquininhas”), essas taxas estão cada vez menores.
Cielo e Rede vem perdendo participação no mercado nos últimos anos, enquanto GetNet, Stone e, principalmente, a PagSeguro tem crescido bastante, a ponto de Itaú e até o grupo Pão de Açúcar (aquele, do cartão PDA, lembra?) estarem investindo nesse mercado.
A taxa MDR é dividida em três componentes:
- Tarifa de intercâmbio: taxa cobrada pelo banco que emitiu o cartão, que varia conforme cada bandeira e o risco da atividade do lojista.
- Tarifa da bandeira do cartão: cobrada pela bandeira para que a credenciadora utilize suas redes (Visa, Mastercard, Elo, Amex, etc.).
- Tarifa de processamento: taxa cobrada pela credenciadora para processar as operações, que nada mais é do que a diferença entre o MDR e as tarifas de intercâmbio e da bandeira.
As credenciadoras ainda podem receber pelo aluguel ou venda das maquininhas, e também para antecipar o crédito aos lojistas para que eles não precisem aguardar 30 dias até o recebimento das vendas.
Imagine, então, uma situação totalmente desfavorável para o estabelecimento, que vendeu um produto por R$100 e irá receber apenas R$95 daqui 30 dias. Para antecipar esse crédito, paga mais R$1 e receberá R$94 de imediato, ou seja, perdeu R$6 durante todo o processo.
Com os recentes aumentos da taxa SELIC, esse custo para antecipação dos créditos ficará ainda mais oneroso para as lojas, infelizmente.
Para melhorar a situação dos clientes como esses lojistas, o Banco Central lançou em 2021 um produto revolucionário, chamado de Pix.
O que é Pix
O Pix é o pagamento instantâneo brasileiro, onde os recursos são transferidos entre contas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia.
Além de aumentar a velocidade dos pagamentos e transferências, visa alavancar a competitividade e eficiência do mercado, baixar o custo do cliente, incentivar a eletronização do mercado de pagamentos de varejo, promover a inclusão financeira e preencher uma série de lacunas existentes na cesta de instrumentos de pagamento disponíveis atualmente à população.
Já são 734 instituições financeiras aprovadas pelo BACEN para ofertarem o Pix. Verifique quais IFs são elas!
E se quiser aprender mais, clique aqui e visite a página que o Banco Central criou sobre o Pix!
Relação entre o Pix, Pontos, Milhas e o Cashback
Agora que você entendeu sobre os elevados custos enfrentados pelos lojistas para receber à vista as vendas através de cartões de crédito e a facilidade proporcionada pelo Pix, vou contar um interessante fato ocorrido nos últimos meses.
Morando no interior desde o início da pandemia, resolvi fazer uma pequena reforma no meu imóvel no final de 2021. Aqui na cidade é comum realizarmos contratos no fio do bigode que, segundo Reinaldo Polito, significa o grau máximo de honradez da pessoa em relação ao acordo que está sendo concretizado.
Pois bem, no final da obra me dirigi aos três estabelecimentos para cumprir o acordo de pagamento das compras de materiais. Entre as opções de pagamento, no pagamento via Pix foram oferecidos descontos que variavam entre 7% e 10%.
Não pensei duas vezes: ainda que estivesse com o cartão Pão de Açúcar na carteira, o pagamento à vista foi mais interessante, visto que o desconto se mostrou superior ao cashback máximo calculado como sendo em 4,0% no post do PDA.
Mas dependendo do cartão, das promoções vigentes e da destinação dos pontos/milhas, poderia mesmo com o desconto expressivo ser mais interessante ter pago com um determinado cartão de crédito. Mas isso será assunto para um futuro post!
Retorno dos Bancos com a Emissão de Cartões de Crédito
Vamos agora analisar qual o retorno dos bancos atuando como emissores de cartões de crédito?
A única receita oriunda no fluxo foi a tarifa de intercâmbio, mas que pode sequer ser suficiente para bancar o cashback dos pontos oferecidos nos cartões (até 1,60%), conforme o primeiro post da série. Significa que os bancos têm prejuízo nessas operações?
É claro que não! A outra tarifa recebida pelos emissores é através da cobrança de anuidade dos cartões, a despeito de que nos últimos tempos alguns bancos estão sendo bem agressivos, chegando a oferecer isenção vitalícia da anuidade mediante o cumprimento de alguns requisitos.
Mas com certeza, uma das maiores fontes de receita das instituições financeiras é a cobrança de juros, a partir da compra parcelada ou do atraso no pagamento da fatura, visto que os juros do crédito rotativo, juntamente com os do cheque especial, são os mais caros do planeta.
Contudo, o atual cenário de juros em alta, a inflação sob pressão (que poderá ser agravada pela recente guerra na Ucrânia) e a desaceleração da economia trazem maiores precauções por parte dos bancos.
Além de que muitos consumidores, sem a devida educação financeira, estão sendo incentivados a solicitar cartões de crédito, contribuindo ainda mais para o aumento da inadimplência nessa modalidade.
Reflexo nos Aplicativos de Pagamento
Nos últimos dias tivemos mais notícias desagradáveis, como a que a 99Pay reduziu o limite de pagamento de boletos para R$100 por mês, ou que o PicPay eliminou o limite para transferência gratuita com cartão de crédito, conforme noticiada pelo Paulo Léo aqui no Pontos pra Voar.
Mas nada disso é novidade! Voltando alguns meses no tempo, outras notícias ruins para quem estava acostumado a gerar pontos e milhas a custo zero através dos aplicativos de pagamento:
- RecargaPay exclui valor para pagamento de contas com cartão de crédito sem taxas
- RecargaPay aumenta novamente a taxa para pagamento de contas com cartão de crédito
- 99Pay limite em R$600 por mês para pagamento de boletos sem taxas
- PicPay reduz novamente o limite de transferência gratuita com o cartão de crédito
- Pagamentos com cartão de crédito sem taxas no PicPay são reduzidos para R$500 por mês
Agora que você já sabe de todos os custos envolvidos no mercado de pagamento com cartões de crédito, conseguirá entender por que as empresas estão reduzindo limites de isenção e/ou aumentando as taxas de juros nos apps.
Empresas como PicPay, RecargaPay, 99Pay, iti e outros nada mais são do que estabelecimentos/lojas no fluxo mostrado no início deste artigo. Ainda que a tarifa MDR seja estabelecida e fixa, o custo para antecipação de créditos varia conforme a taxa SELIC, que nos últimos 12 meses subiu de 2,0% para 10,75% a.a. e deverá subir ainda mais na próxima reunião do COPOM.
Ou seja, o custo para oferecer ao usuário pagar contas ou transferir recursos com cartão de crédito ficou muito mais elevado, pois as empresas precisam pagar as exigibilidades à vista e receber o crédito (com desconto) após 30 dias.
Enfim, se você aproveitou o período da pandemia para surfar as ondas e gerar pontos e milhas a custo zero, parabéns!
Mas não adianta mais ficar reclamando das recentes mudanças e falar que irá desinstalar os apps, pois o cenário atual é completamente diferente e, como digo há meses, não existe mais condições (nem nos próximos anos) dessas empresas oferecerem as mesmas condições do passado.
Cenas dos Próximos Capítulos
Você deve ter entendido que descontos à vista no Pix podem ser mais interessantes do que os pontos, milhas ou cashbacks gerados através dos cartões de crédito, certo?
Mas existem exceções, que irei abordar nos próximos capítulos. Se você está enxergando o copo meio vazio com a impossibilidade de geração de pontos e milhas a custo zero, está perdendo a oportunidade!
O atual cenário é excelente para experimentar e surfar novas ondas, com oportunidades que jamais ocorreram até hoje. Eu enxergo o copo meio cheio, e espero que você também!
Peço desculpas se o post foi extenso e cansativo! Mas achei necessário mostrar a importância dessa visão mais ampla do mercado financeiro no que tange o pagamento com cartões de crédito. Como não canso de falar, o mundo das milhas é apenas a pontinha do iceberg, e precisamos enxergá-lo por inteiro!
Tome Nota
Vários dos cartões de crédito citados nestes artigos já foram (ou serão) fruto de análise aqui no Pontos pra Voar. Consulte as avaliações clicando em “Cartões” e depois em “Análise”, ou diretamente aqui para ser direcionado pra as avaliações.
O que achou deste post sobre o funcionamento do mercado de pagamento com cartões de crédito? Deixe seu comentário, dúvidas e/ou sugestões para serem abordados em futuros artigos.
Para Saber Mais
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