Olá viajantes! Como vocês estão? Se prepararando para o Natal?
É o segundo Natal que consigo celebrar em muitos anos. A aviação trás um lifestyle totalmente fora do convencional para quem trabalha neste ramo. E isso não é novidade pra ninguém. As viagens pelo mundo, passando as noites muito mais em quartos de hotéis do que na própria cama é o que costuma chamar a atenção nesse tipo de trabalho.
Mas e o que mais muda em nossa vida além disso? Quais são as diferenças do dia a dia de quem está nesse ramo em relação a alguém com um trabalho de jornada e local fixos?
Vou aproveitar para trazer hoje algumas particularidades de quem foi tripulante de uma empresa aérea árabe. Gosto sempre de lembrar essa parte, pois a aviação no Brasil tende a ser muito diferente em vários aspectos, tanto para melhor como para pior.
A Dona de Nossas Vidas
Há duas datas que o tripulante aguarda ansiosamente todo mês: o dia do pagamento e o dia da escala.
A escala (ou roster) é simplesmente tudo na vida do cabin crew. É o roteiro de como será o nosso próximo mês. Publicada entre o dia 20 e 25, é na escala onde fica definido se teremos um mês fácil ou estressante, curto de grana ou like a boss.
Também é quando ficamos sabendo se os nossos requests (pedidos de voos) foram atendidos, além dos 8 dias mínimos de folga. Em raros momentos, poderiam vir 9 ou até 10 dias.
Essas valiosas e esperadas datas seriam usadas na tentativa de se ter um pouquinho mais de vida normal entre os voos. É quanto visitamos os amigos, lavamos as roupas, deixamos o uniforme na lavanderia do prédio, limpamos a casa, comparecemos a exames médicos, a geladeira finalmente recebe alguma novidade e viajamos à lazer.
Sim, mesmo voando quase o tempo todo, quem não gosta de viajar o máximo possível, não é mesmo?
Conversas Estranhas
Um bate papo informal entre dois tripulantes pode gerar alguns absurdos, como:
– Semana que vem tenho Joburg. Vou aproveitar pra comprar uns bons filés!
– Já foi no The Butcher’s shop? Na Nelson Mandela Square. Aproveita pra comprar presunto lá também que é maravilhoso e barato. Ao contrário dos Emirados.
– Boa ideia. To precisando comprar também uns perfumes novos. Mas não tenho Paris esse mês.
– Eu tenho. Trago pra ti, se quiser.
Alguns destinos são conhecidos entre o meio para comprar algo específico. Johanesburgo (ou Joburg, para os íntimos) é o destino favorito pra comprar carnes de qualidade a um preço justo. Londres, para produtos de casa baratos.
Tóquio, tem o melhor chocolate da vida, o Royce (merece ser experimentado). Frankfurt, bebidas alcoólicas por preço de banana na Crew Shop do aeroporto. Genebra ou Zurique, chocolates Godiva a um preço justo. E a lista vai longe… Por que pagar mais caro e esperar chegar o novo iPhone em nosso país se podemos comprar no lançamento diretamente dos Estados Unidos? Coisas da aviação.
Lembro de quando foi lançado o primeiro iPad e eu, amante da tecnologia, fiquei louco para ter um! Mas não tinha nenhum voo escalado no mês para os EUA. Uma amiga tinha e acabou gentilmente trazendo um para mim, sem cobrar nada além do valor de etiqueta.
Chega um ponto conforme os anos passam em que passamos a encarar os países simplesmente como meras cidades espalhadas por aí.
Em Casa
Em casa, era comum a geladeira somente com itens essenciais e principalmente, que não estragassem rápido. Leite, queijos e presunto (de Joburg) ficavam péssimos depois de uns dois voos.
Era uma dificuldade enorme manter uma despensa decente com alguns produtos frescos e faziam uma falta danada embalagens para uma pessoa, em porções menores.
E quando chegávamos em casa no meio da madrugada após um voo lotado para descobrir que achávamos ter feito mercado recentemente mas que na verdade aquilo aconteceu a quase um mês?
Precisar ficar em silêncio durante o dia, porque o flatmate tinha que tentar dormir para um voo à noite também fazia parte da (pouca) rotina caseira.
Vivendo na Bolha
Algo que percebi acontecer muito com tripulantes vivendo no Oriente Médio (eu incluso) é a tendência de nos descolarmos quase que completamente do mundo real. Como a vida está basicamente resolvida, com contas pagas, sem “trabalho para casa”, além da possibilidade de fazer ou comprar qualquer coisa em qualquer lugar do mundo, passamos a perder um pouco a noção das coisas.
As amizades tendem a acontecerem mais com colegas da própria empresa, ou no máximo da companhia aérea vizinha. Os assuntos com muita frequência acabavam em situações do trabalho e era até certo motivo de orgulho conseguir juntar uma turma de colegas que conseguisse falar de outras coisas além de voos difíceis, escalas, compras, chefes tiranos ou passageiros chatos.
É curioso como apesar da incrível possibilidade de expandir a mente com novas experiências e culturas, era muito comum acontecer justamente o contrário. Era preciso um esforço diário e consciente para não se tornar uma pessoa bitolada e fechada. Quem conseguia, se tornava muito interessante para todos ao seu redor.
Espero que tenha conseguido matar um pouco mais da curiosidade, saindo um pouco do lugar comum que se lê por ai sobre a vida dos tripulantes. Até semana que vem!
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