Olá! Acho que se o leitor perguntasse a qualquer tripulante que já trabalhou para uma cia aérea internacional quais seriam algumas habilidades mais úteis para conseguir trabalhar neste meio por muitos anos, haveria a chance da pessoa responder: “Usar a criatividade e aprender a controlar o sono”.
É preciso criatividade o tempo todo. Seja para resolver os problemas que sempre aparecem a bordo como para lidar com as horas e horas dentro de um avião escuro, onde quase todos dormem profundamente mas a tripulação precisa se manter sempre alerta e acordada.
As constantes trocas de fusos horários e as decolagens de madrugada são os fatores que mais causam esse efeito de extremo sono e fadiga. O relógio biológico acaba se perdendo e o corpo acha que é hora de dormir, quando na verdade seria a hora de almoçar…
O Difícil Voo Fácil
Cada voo tem o seu perfil característico de passageiros. Em alguns, os clientes preferem atenção constante o tempo todo. Voos para a Índia, Nova York ou Chicago apresentam esse perfil de passageiro.
Mas apesar de serem voos desafiadores, eles trazem a vantagem de fazer o tempo passar mais rápido. Acabamos ficando super envolvidos com os call bells (aquele botãozinho para chamar os comissários), os inúmeros pedidos, além das visitas à galley que quando menos nos damos conta é hora de se preparar para o pouso.
Por outro lado, em voos para o Japão, Coréia do Sul, entre outros, o perfil de passageiro é o exato oposto. São raras as vezes em que somos chamados e a maioria só deixam seus assentos para ir ao banheiro ou se esticar um pouco.
Embora voos assim sejam muito apreciados pela tripulação, em compensação o tédio acaba tomando conta rapidamente.
Na Etihad, não é permitido ler ou assistir qualquer material que não seja da empresa durante o horário de trabalho. E como o tempo demora a passar, não resta outra saída senão botar a criatividade para funcionar e arrumar o que fazer.
Desenhar, caminhar pela cabine, bater papo com algum passageiro sem sono, arrumar a galley, contar garrafas no bar, combinar o que fazer no layover (pernoite), pegar dicas com os colegas locais, preparar alguma bebida para esquentar (as galleys são SEMPRE muito geladas, especialmente no A320), contar histórias e socializar com os colegas.
O que Conversamos na Galley?
As garotas na maioria das vezes acabavam trocando experiências sobre seus relacionamentos quando descobriam outra colega também namorando um local. “Mas meu Mohamed é diferente” é uma piadinha frequente entre o pessoal da aviação.
Já os rapazes ficavam falando sobre futebol “você é do Brasil? Ohhh Neymar!” Vibravam ao descobrir um brasileiro. Ou o papo era sobre carros esportivos, festas, e por que não? De relacionamentos também.
Dois assuntos eram unânimes e o melhor quebra-gelo inicial: escala do mês e o building (prédio) onde se mora. Além do adicional de comentar coisas positivas ou nem tanto sobre seu flatmate (colega de quarto).
– Como veio sua escala esse mês?
– Veio ruim. Me encheram de turnarounds (bate volta).
– É, eu também. Mas pelo menos ganhei um request.
– E qual é o teu building?
– Al Forsan
– Hummm, será que vão fechar mesmo? Estão dizendo que é certo que fecha esse ano.
– Ahh, não sei… Mas se fecharem mesmo, não posso perder minha flatmate! Nós damos tão bem!
E a partir daí o papo poderia render por muito tempo (ou não).
Como estávamos longe da família, de casa e de tudo, um colega de quarto acabaria por virar um irmão ou irmã. E nos voos, uma pequena família se formava e permaneceria unida até que o pouso nos separasse.
Criatividade a 35 Mil Pés
Além dos colegas bons de conversa, haviam tripulantes que eram artistas talentosos. Nunca esquecerei de uma garota da Sérvia que tive o prazer de voar junto algumas vezes. Ela fazia com simples canetinhas à bordo (para as crianças) verdadeiras obras de arte! Eram desenhos detalhados e inspirados.
Quando não eram desenhos, a vez eram das piadas, jogos divertidos com o que estivesse à mão ou mesmo artesanato.
O simpático casal árabe que abre a coluna foi resultado de um longo e tedioso voo, combinando as canetinhas hidrocor do kit para as crianças a bordo, mais copinhos de café, guardanapo surrupiado da Business Class com uma Flying Nanny muito criativa e talentosa.
Às vezes, deixávamos o nosso lado Masterchef aflorar para criar uma experiência gastronômica, misturando tipos de comidas à bordo. Com algum café gourmet mais caprichado, feito na espresso maker da classe executiva.
Quando nada mais funcionava, o jeito era apelar para o cockpit. Ir bater um papo com os pilotos ou mesmo tirar aquele cochilo de 15 minutos até algum tripulante ligar nos chamando de volta porque começou a correria.
Fechar os olhos na cabine? Nem pensar! É estritamente proibido e razão para um reporte.
Mas você poderia estar pensando agora: “Vocês não tem onde dormir?” Voos realmente longos possuem o descanso regulamentado, em camas escondidas da vista do passageiro e já explicado pela Rosane aqui.
Acontece que é muito comum o sono somente vir quando estamos trabalhando. Já dentro do bunk, bem belos e prontos para dormir, ficarmos alertas como uma coruja! É… a vida de cabin crew as vezes não é fácil. Mas é divertida.
E você? Consegue dormir à bordo? Pega no sono assim que as luzes se apagam ou acaba ficando o voo inteiro se ajeitando na poltrona ou assistindo à filmes e séries?
Gostaria de saber como os leitores encaram as longas horas de um voo intercontinental.
Até o nosso próximo encontro na galley!
Para Saber Mais
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