Sebastião Salgado cultivou uma relação profunda com Paris desde sua chegada em 1969, marcando presença em diversos bairros e instituições culturais da cidade. Reconhecido como o primeiro brasileiro na Academia de Belas Artes da França, o fotógrafo deixou um legado celebrado por exposições e homenagens em todo o país
O fotógrafo Sebastião Salgado morreu na sexta-feira, dia 23, em Paris, em decorrência de uma leucemia grave. Segundo comunicado da família à imprensa, a doença foi provocada por uma forma particular de malária contraída em 2010 na Indonésia.
Sebastião Salgado era apaixonado por Paris – e pode-se dizer que o sentimento era recíproco. Um dos exemplos é que, no ano passado, a prefeitura da capital francesa escolheu fotos do brasileiro para os cartões de Natal enviados aos moradores.
Também estava prevista para 2026 uma grande exposição em um museu parisiense para mostrar a cidade mudando conforme as estações do ano.
A relação de Sebastião Salgado com a França é antiga. Ele chegou ao país em agosto de 1969, fugindo da ditadura militar. Em entrevista à revista “A Paris”, da prefeitura francesa, ele disse que já tinha consultado o mapa antes.
“Cheguei a uma cidade que já conhecia, mesmo sem nunca ter estado aqui. No Brasil, eu olhava o mapa de Paris todos os dias. Conhecia os boulevards, as pracinhas, as igrejas”, contou.
Na mesma entrevista, ele disse que seus arrondissements (como são chamados os distritos em Paris) preferidos são os efervescentes 10º e o 11º. Ele morava na região da Bastilha e trabalhava na região do Canal Saint-Martin, no 10º.
“Meu estúdio fica no quai de Valmy. É cheio de lojistas, restaurantes e pessoas que cumprimento todos os dias. O que me toca é essa mistura de vilarejos que compõem Paris. Já viajei para mais de 130 países como fotógrafo, mas só aqui vi tamanha mistura de culturas.”

Salgado trabalhava na região do Canal Saint-Martin | Florencia Potter por Pexels
Veja, a seguir, mais lembranças e comentários de Salgado sobre diferentes pontos da capital francesa.
O Começo na Cidade Universitária
Quando chegaram em Paris, Sebastião Salgado e a mulher Lélia Wanick moraram na Cidade Universitária, no 14º distrito. À época, eles tinham 25 e 22 anos, respectivamente. Lélia entrou no curso de arquitetura e o marido comprou uma máquina fotográfica para ajudá-la a registrar os prédios. À época, ele seguia seus estudos em economia.

A Cidade Universitária de Paris foi o primeiro local onde Sebastião Salgado e a mulher moraram em Paris | Créditos: Wikimedia Commons
Salgado logo ficou impressionado com os longos dias — no verão, só escurece perto das 21h.
“Os dias começavam cedo e duravam até a noite, algo que não acontece nos países tropicais. A cidade estava banhada por uma luz exuberante, era incrível. Depois chegaram as outras estações e observei pela primeira vez essa variação de luz. Uma maravilha que atribuí inicialmente ao poder de Paris.”
Um Concerto com Órgão na Notre-Dame
Sebastião Salgado destacou uma lembrança na tradicional Notre-Dame de Paris, que passou por uma revitalização nos últimos anos, após o incêndio em 2019.
“Quando cheguei a Paris, sua beleza tocou meu coração. Lembro-me particularmente de assistir a um concerto de órgão na Notre-Dame (no centro de Paris) com minha esposa.
Uma das coisas mais lindas que já vi na minha vida! Andamos bastante pela cidade e ficamos totalmente maravilhados. Desde a Torre Eiffel (no 7º) até o Parque Montsouris (no 14º), passando pela Maison du Brésil na Cidade Universitária, onde havia estudantes do mundo inteiro. Para nós, era o paraíso: havia muito para descobrir.”

A catedral de Notre-Dame é cenário de uma das lembranças narradas por Salgado em entrevista | Créditos: Pexels
Detalhes da Vida de Estudante
Como os estudantes geralmente fazem, Sebastião e Lélia procuravam restaurantes mais em conta – e também ficavam admirados com a beleza dos passeios a pé.
“Quando eu era estudante, procurava lugares baratos. Lembro-me de um restaurante muito pequeno chamado Aux Rendez-vous des Camionneurs (no Centro de Paris). Era tão bom! Minha esposa e eu adorávamos ir até lá e depois dar uma caminhada pelo Quai de la Mégisserie (também no centro), onde podíamos admirar muitos pássaros e lindas plantas. Era magnífico!”
Passeios a Pé Perto de Casa Continuaram
Mais recentemente, ele gostava de frequentar a Ópera da Bastilha, no 12º, que fica perto de onde a família vive.
“Adoro ir à Ópera da Bastilha. Gosto do som, do volume da sala e, além disso, posso ir a pé, já que é perto de casa.”
Ele também disse que aproveitava as caminhadas pelo corredor verde René-Dumont.
“Nos fins de semana, gosto de caminhar no Bois de Vincennes (também no 12º). É um grande prazer poder fazer esta caminhada de rara beleza que vai da Bastilha ao Bois. Toda esta vegetação é absolutamente magnífica.”

A coulée verte René-Dumont é uma atração para quem gosta de caminhar | Créditos: André ALLIOT por Wikimedia Commons
O Primeiro Brasileiro na Academia de Belas Artes da França
Salgado foi o primeiro brasileiro a se tornar membro da Academia de Belas Artes da França, em 2016. Ele ocupou o assento de Lucien Clergue. A academia faz parte do Instituto Francês e fica no 6º distrito.
“Vou lá com frequência desde que sou membro. Com meus colegas acadêmicos, premiamos e subsidiamos artistas aposentados, nós os apoiamos. Também oferecemos residências para estudantes estrangeiros. É esse lado humano e social desta instituição cultural que eu amo.”
A Academia de Belas Artes lamentou a morte de Salgado. Na descrição do fotógrafo, a instituição diz que ele foi uma “grande testemunha da condição humana e do estado do planeta”.
Para Anotar: Um Bom Restaurante Francês
Por fim, Salgado recomendou um restaurante preferido – que fica na região do Canal Saint-Martin.
“Minha cantina é Le Verre Volé (10º). É bem simples, mas acho que não existe um lugar na França que se compare à qualidade da culinária local. São mesas pequenas, do jeito que eu gosto. Claro que vou aos grandes restaurantes, sou convidado e são muito simpáticos, mas não são tão bons quanto esta cantina no cais.”
Para Além de Paris
Também fora de Paris, Sebastião Salgado é conhecido e reconhecido. No início deste ano, ele foi homenageado em Deauville, no norte da França, com uma retrospectiva de sua obra.
A exposição faz parte das comemorações da Temporada França-Brasil, que marca os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países.
“O dia mais feliz da minha vida foi quando eu completei 80 anos. Simplesmente porque eu estava aqui. Eu não estava morto”, disse ele na abertura da mostra. Segundo jornalistas, ele se emocionou durante o discurso.
A exposição acontece no centro Les Franciscaines, reúne mais de 400 obras do acervo da Maison Européenne de la Photographie e vai até 1º de junho.
Em Reims, na região de Champagne, há um outro evento importante para a família: o filho Rodrigo, de 45 anos e com Down, faz uma exposição de vitrais e outras obras, com curadoria de Lélia. A abertura estava marcada para 24 de maio – um dia depois da morte do fotógrafo. De acordo com a imprensa, a data foi mantida.
A mostra ocorre na igreja do Sacré-Coeur de Reims, que foi dessacralizada e funciona como oficina de vitrais há cinco anos.
“Se as minhas fotografias resistirem muito, cem anos depois da minha morte, é algo heroico. Mas os vitrais dele vão estar lá por milhares de anos”, disse Salgado à Folha de S. Paulo, sobre as obras do filho.
Economista e Fotógrafo
Sebastião Salgado nasceu em Aimorés (MG), em 8 de fevereiro de 1944 e se graduou em economia na Universidade Federal do Espírito Santo e fez mestrado e doutorado nessa área na Universidade de São Paulo e na Universidade de Paris.
Ele deverá receber homenagens na França e, depois, será cremado. Suas cinzas devem ser enterradas no Instituto Terra, que foi fundado por ele e por Lélia, na fazenda da família, em Aimorés. O filho mais velho do casal, o cineasta Juliano, trabalha na ampliação do instituto, que tem o objetivo de recuperar a bacia do Rio Doce.
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