As linhas seguintes tratam de uma reflexão informal, sem qualquer pretensão técnica, fruto de um debate em um dos grupos de WhatsApp do Pontos e Viagens, acerca da notícia do pedido de Recuperação Judicial (PRJ) pela Avianca Colômbia, apresentado à justiça americana. E desde já eu agradeço ao Júnior que gentilmente escreveu esse post.
A Importância da Avianca
Tal fato, embora não seja exatamente uma surpresa para quem acompanha o cenário das empresas aéreas, pois a companhia já apresentava sérias dificuldades antes da crise do Covid-19, traz apreensão e ansiedade para os avgeeks.
Isso é particularmente relevante para os usuários avançados dos programas de milhagem, dado que o LifeMiles, o programa de fidelidade vinculado à colombiana, é um programa reconhecido e premiado, sendo um dos melhores a que os brasileiros têm acesso (através da Livelo, principalmente), para viagens-prêmio em cabines premium, inclusive em primeira classe.
Nesse contexto, era de se esperar o impacto da notícia do domingo (clique aqui ver os detalhes), de que a empresa teria se socorrido da lei de falências americana, levando, inclusive, a algumas interpretações de que a empresa estaria em processo de falência, o que, de fato, não ocorre, ao menos no presente momento.
Acrescenta-se a isso, obviamente, o fato de que na eventual paralisação da empresa, empregos serão perdidos em um momento de recessão global.
A Lei de Falências Americana
De começo, preciso confessar que não conheço a fundo a legislação americana, mas pelo pouco que li a respeito da proteção do artigo 11, da lei de falência norte-americana, invocado pela Avianca, percebe-se que se cuida de processo assemelhado ao nosso pedido de recuperação judicial, regulado pela Lei 11.101 de 2005.
Aliás, é consenso que a Lei 11.101/05, tem inspiração no sistema americano, cujo princípio basilar é o da preservação da empresa – o que é considerado um avanço, uma vez que nossa sexagenária legislação anterior, previa um processo de concordata muito mais focado na satisfação dos direitos creditícios, do que na recuperação da empresa em dificuldade.
Pode-se dizer, então, que os objetivos primordiais do processo de recuperação judicial, quer aqui ou nas terras do tio Sam, são a superação da crise financeira e a preservação da atividade econômica, o que não deixa de ser um alento para quem, como eu, tem muito apreço pelo LifeMiles e torce pela recuperação da Avianca.
A Avianca e o Pedido de Recuperação Judicial
Portanto, podemos dizer, a grosso modo, que esse pedido de recuperação judicial, que tanto aqui como lá, com algumas diferenças, pode ser pedido tanto pela empresa em dificuldades quanto pelos seus credores, significa o pontapé inicial de um processo em que se buscará a reorganização da empresa e a reestruturação dos débitos, visando a satisfação dos credores, em condições especiais, devidamente negociadas, para permitir, ao final, a retomada da atividade econômica com fôlego renovado.
Ou, como diz a doutrina americana, oportunizar um fresh start para a empresa, dando-lhe uma segunda chance.
Deferido o pedido de “acesso” aos benefícios da recuperação judicial, o devedor terá um prazo de 120 dias (nos EUA, 60 dias no Brasil), para apresentar um plano de recuperação, que envolva uma proposta de reestruturação da dívida e um plano de atividade que permita inferir que terá capacidade financeira para solver as obrigações assumidas com a proposta.
Apresentada a proposta, será aberta vista aos credores para manifestar aprovação ou impugnação ao plano de recuperação apresentado. Não havendo impugnação, a proposta será homologada, passando de logo para a fase de execução, como se verá mais adiante.
Havendo impugnação, o juiz determinará a formação da Assembleia Geral de Credores, que poderá apresentar proposta de modificação do plano, com espaço para ampla negociação, ou mesmo a sua rejeição, por considerar que aquele seria inexequível.
Essa negociação, ordinariamente, envolve os prazos de adimplemento das obrigações e o próprio valor dos débitos, ou seja, a proposta de recuperação, seja a apresentada pelo devedor, seja a negociada no âmbito da assembleia, gera impacto nos prazos e forma de satisfação, ou mesmo a redução dos débitos, o que poderá se mostrar essencial para que a empresa ganhe fôlego para superar a crise.
Assim, homologado o plano, quer por ausência de impugnação, quer pela deliberação da assembleia, que é soberana, nos limites da lei, será iniciada a fase de executiva, que é justamente o início dos atos concretos tendentes a dar concretude às diretrizes constantes do plano de recuperação. Tal fase, pode-se dizer, sem rigor técnico, teria natureza operacional.
Ao final dessa fase, mostrando-se cumpridos os compromissos e metas estabelecidos na proposta de recuperação, será dada por restabelecida a empresa, ou, como dizem os americanos, a empresa estará habilitada para o fresh start, passando a ter “vida nova”.
A Eventual Falência
Contudo, acaso a Assembleia Geral de Credores rejeite a proposta de recuperação, ou mesmo se a empresa não conseguir cumprir o plano de recuperação, será convolada a recuperação judicial em falência, o que, aí sim, é o fim da empresa.
Decretada a falência, é extinta a empresa. Nesse caso, será nomeado administrador para a massa, cuja função, basicamente, será promover a arrecadação dos bens e organizar a lista de credores, conforme as suas preferências legais – no caso do direito brasileiro, já que a legislação americana não tem classificação de créditos.
Nesse mister, caberá ao administrador identificar, relacionar e alienar todos os ativos da massa, visando a promover o pagamento dos débitos da empresa extinta, conforme a ordem de preferência.
Impacto em Passagens Emitidas com Milhas ou Pagos
Convém ressaltar, nesse particular, que a satisfação dos credores se dá em respeito à ordem legal de preferência, como créditos trabalhistas, fiscais, créditos com garantia real, e, por fim, os credores quirografários – em verdade, há um detalhamento legal maior, inclusive em relação a créditos de micro e pequenas empresas e aos créditos extraconcursais, o que penso desnecessário aqui especificar, dada a informalidade dos presentes comentários.
O que é importante ressaltar, no caso aqui debatido, é que tanto os credores de bilhetes aéreos de uma companhia que venha a ter a falência decretada, quanto os créditos relativos aos seus programas de milhagens, têm créditos quirografários simples, sendo os últimos da fila de pagamentos.
Ora, como os pagamentos se dão por ordem de classe, e somente se paga às classes seguintes, depois de satisfeita a totalidade dos credores das classes com maior preferência, significa que os titulares de créditos quirografários simples, como os credores de milhas de programas de fidelidade, têm chances quase nulas de receber qualquer valor, em caso de falência.
Mas, como bem explicitado acima, o caso da Avianca, presentemente, não se trata de falência, mas do início de um processo de recuperação judicial, o qual torcemos seja bem sucedido.
Algumas Palavras
Com efeito, vale dizer que, não obstante o quadro desolador dos índices de recuperação judicial no Brasil, da ordem de 1%, no mercado americano, onde protocolado o pedido da Avianca, esses índices de recuperação são em torno de 30%, o que dá uma razoável esperança.
Não se olvide, ademais, que após a crise do subprime de 2008, várias grandes empresas americanas pediram a proteção do artigo 11, da lei de falências americana, com boa parte delas conseguindo se recuperar, como United, Delta, US-Airways, GM, etc.
Talvez, o fiel da balança, nesse caso, seja a duração da crise sanitária, cuja duração tem impacto inversamente proporcional nas chances de sobrevivência da centenária companhia colombiana.
Resta, assim, torcer para que, o quanto antes, haja condições de retomada do mercado aéreo, reaquecendo as operações da Avianca, empresa pela qual tenho muita simpatia, especialmente pelo seu LifeMiles.
Para Saber Mais
Neste link você pode acessar a página da Avianca para maiores informações
Nota: Mais uma vez eu agradeço ao Júnior pela excelente post. Deixo aqui o seu Instagram para quem quiser seguí-lo.