Turismo acessível ainda não é para todos! Falta de estrutura, comunicação ineficiente e desrespeito às normas impedem milhões de brasileiros de viajar com segurança e autonomia. Neste artigo conheça experiências vividas por pessoas com deficiência e dicas de como ter uma viagem mais tranquila e sem perrengue.
Viajar é bom, gostoso e prazeroso, mas, para muitas pessoas, é também um enorme desafio. Independentemente de limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, a realidade enfrentada por pessoas com deficiência ao planejar e realizar uma viagem está longe de ser inclusiva. De aeroportos mal adaptados a hotéis que não cumprem normas básicas de acessibilidade, as barreiras são muitas e, muitas vezes, invisíveis para quem não as enfrenta.
Segundo dados do Relatório Mundial de Deficiência, cerca de 15% da população mundial vive com algum tipo de limitação física ou cognitiva, o que representa em torno de 1,2 bilhão de pessoas. No Brasil, de acordo com a pesquisa PNAD Contínua de 2022, são 18,6 milhões de habitantes, ou 8,9% da população.
Turismo limitado e falta de informação clara
É verdade que os avanços da última década são muitos e importantes, mas ainda assim, insuficientes. Já imaginou um banheiro sendo um impeditivo para você viajar? Pois isso é apenas uma das dificuldades enfrentadas dentro de um avião, por exemplo. Os banheiros, infelizmente, ainda não são acessíveis, o que impossibilita que muitos deficientes utilizem esse meio de transporte em viagens de média a longa distância.
De acordo com o Ministério do Turismo, em 2024, 53,5% dos turistas com algum tipo de deficiência deixaram de viajar no país devido à falta de acessibilidade, o que limita o acesso às experiências turísticas e inibe o potencial econômico do setor.
“O turismo não está preparado para atender esse público. A legislação tem ajudado, mas, por si só, não adianta. A maioria das leis não é feita por pessoas com deficiência, e daí vêm muitos erros”, afirma Ricardo Shimosakai, turismólogo e cadeirante.
Para ele, de todos os obstáculos, o da informação é um dos mais importantes. Afinal, a ausência de dados específicos e objetivos prejudica o planejamento e desencoraja o turista.
“As empresas não falam sobre acessibilidade. Quem fala sobre acessibilidade? A maioria não. Há hotéis que são acessíveis, mas eles não informam que têm quartos acessíveis. Outro diz que é, mas que acessibilidade seria essa?”, exemplifica.
As necessidades podem variar muito, mesmo entre pessoas com o mesmo tipo de deficiência. Ricardo, por exemplo, utiliza uma cadeira manual, mas outros utilizam uma motorizada. Para alguns, o essencial é ter uma barra de apoio no lavatório; para outros, é mais importante contar com uma cadeira de banho. Muitas vezes, por possuírem apenas um ou outro item, os estabelecimentos já se consideram “inclusivos” – o que, na prática, não é verdade.
Fica evidente, portanto, que a qualidade da informação é tão importante quanto a estrutura física.
“Está faltando uma qualidade melhor na informação”, conclui. Afinal, promover o turismo acessível vai além da obrigatoriedade: é compreender, comunicar e adaptar-se, de forma real e sensível, às múltiplas realidades das pessoas com deficiência.
Barreiras e perrengues vividos por turistas com limitações físicas
“Sempre ligo e pergunto sobre acessibilidade no hotel. Dizem que são, e, quando chego lá, a condição é bem precária, quase nula”, afirma Cláudia Borges, assistente social que tem osteogênese imperfeita, uma doença genética que causa ossos fracos e quebradiços, com inúmeras consequências físicas. Ela conta que costuma viajar com frequência utilizando o transporte rodoviário e já passou por inúmeras situações desagradáveis nessa jornada como viajante.

Diana enumera principais pontos de melhoria para tornar o turismo mais acessível – Créditos: Arquivo pessoal
Em uma dessas ocasiões, Cláudia comprou uma passagem por aplicativo e, quando o ônibus chegou, descobriu que ele não era adaptado. No entanto, o veículo era estampado como símbolo de acessibilidade e até o número da lei federal.
Com todo o transtorno e correndo o risco de perder a diária do hotel, Cláudia exigiu seus direitos. O resultado? “Eles viram que eu não estava brincando e me embarcaram no colo até a poltrona. Nas paradas, foram super atenciosos, perguntando se eu queria algo, uma cadeira para descer, ir ao sanitário. Mas, se eu ficasse quieta, sairia no prejuízo!”, conta.
Diana Sabbag, que trabalha como tradutora e intérprete e é cadeirante, afirma que são muitos os erros cometidos em estabelecimentos comerciais, atrações, hotéis e pousadas. Alguns exemplos citados por ela são:
- Piscinas devem contar com degraus de concreto, rampas ou cadeiras motorizadas que permitam o acesso seguro;
- Buffets precisam ter altura adequada para que cadeirantes possam visualizar e se servir sozinhos;
- Nos banheiros, o vaso sanitário deve estar na altura correta e nunca ter aquela abertura no meio; o espelho precisa estar ao alcance visual e a pia deve ser aberta embaixo, permitindo a aproximação da cadeira de rodas;
- O box do banheiro deve ser aberto ou com cortina, com bancos fixos no interior ou cadeiras de banho disponíveis para empréstimo.
Além disso, recursos como pisos táteis, placas em braile e funcionários que saibam LIBRAS também são essenciais para atender pessoas cegas ou surdas.
Na opinião dela, as empresas do setor de turismo não investem em acessibilidade.
“Tudo precisa ser melhorado, começando por treinamentos e pelas acessibilidades — sejam elas arquitetônica, comunicacional, atitudinal (sem essa, as outras são mais difíceis de serem atingidas) ou digital. Tendo um site acessível, aumenta o número de pessoas em contato com o estabelecimento, e a chance de fechar uma reserva é maior”, afirma.
Exemplos de destinos acessíveis
Segundo o turismólogo Shimosakai, São Paulo é uma referência de destino para viajantes com deficiência, pois só lá se encontram coisas como hotéis, atrativos, museus, ônibus e metrô adaptados. Outros exemplos citados por Cláudia são Balneário Camboriú e Blumenau, em Santa Catarina; Ubatuba e Caraguatatuba, em São Paulo; e Poços de Caldas, em Minas Gerais. Já Diana tem na cidade de Socorro, também em São Paulo, seu refúgio certo de paz e tranquilidade, sem perrengues.
Por lá fica o Hotel Fazenda Campo dos Sonhos, no qual ela se hospeda com frequência por ser uma hospedagem 100% acessível. Além dos exemplos já citados, a rede também oferece todos os esportes de aventura para pessoas com deficiência, trazendo o verdadeiro significado da palavra inclusão.
Porém, muito mais do que o destino em si, o viajante com deficiência pode procurar por agências e profissionais especializados em turismo acessível. “Ter um destino acessível é difícil, pois envolve um trabalho muito grande, que leva tempo. Em Cancún, por exemplo, há um receptivo que oferece todo o suporte necessário e tem os equipamentos adequados. Então, às vezes, o hotel não tem o que é preciso, mas eles conseguem alugar esse material, suprindo assim essas falhas do setor”, completa.
“Companhias aéreas só não são mais acessíveis porque não querem”
Ricardo Shimosakai mostra, por A + B, que existem inúmeras pesquisas na Europa mostrando como o turismo acessível é extremamente lucrativo para as empresas — tanto pelos lucros em dólares e euros quanto pelas perdas financeiras enfrentadas por quem não investe em acessibilidade. “Quem faz certo, ganha muito dinheiro. O hotel fazenda aqui no Brasil tem uma ocupação maior do que a média nacional, por exemplo”, diz.
No entanto, ao falar do setor aéreo, a crítica é ainda mais dura. Nas viagens nacionais, há pouquíssimo espaço para locomoção de cadeiras de rodas, os banheiros não contam com nenhum tipo de acessibilidade e as companhias usam argumentos relacionados à segurança para justificar esses aspectos.
“Fazer um banheiro maior não vai trazer um perigo a mais para a aeronave. Eles querem colocar o máximo de passageiros possível lá dentro… Basta ver os aviões de luxo, que têm até sala de estar. Empresas aéreas só não são mais acessíveis porque não querem”, dispara o turismólogo.
Dicas para viajantes com deficiência
Ricardo conta que já gostava de viajar muito antes de ter sua limitação física. Em 2001, no entanto, durante um sequestro, levou um tiro e perdeu o movimento dos membros inferiores. Mas isso, em nenhum momento, o impediu.
O turismólogo já conheceu todos os pontos turísticos considerados as Maravilhas do Mundo: já esteve no Cristo Redentor, no Rio, em Machu Picchu, no Peru, no Coliseu, em Roma, e até no Taj Mahal, na Índia. Em breve, estará acenando para o mundo das Muralhas da China — presente que ganhou de seu doutorado pela USP.
Depois do ocorrido em 2001, percebeu o quanto o setor de turismo era atrasado em relação à acessibilidade e, por isso, se formou em turismo para ajudar outras pessoas como ele a se aventurarem cada vez mais, sem medo nem receio. Como conseguiu ultrapassar tantas barreiras e viver tantas aventuras? É quase como andar de bicicleta.
“O mais prático é a própria experiência. É indo… Você vai cair, ralar o joelho, mas depois aprende e não cai mais. É se conhecer, conhecer as suas necessidades, o que você precisa e fazer simulações dentro de casa. A pessoa tem que se conhecer e ver o que atende a ela. Questionar o hotel se tem o que você precisa, entrar em contato com outras pessoas com deficiência e com organizações. Se for esperar que o turismo fique acessível, é melhor você se adaptar”, afirma.
Para Saber Mais
Para ler outros artigos sobre a nossa coluna de Turismo Sustentável, acesse este link.
Que tal nos acompanhar no Instagram para não perder nossas lives e também nos seguir em nosso canal no Telegram?
O Pontos pra Voar pode eventualmente receber comissões em compras realizadas através de alguns dos links e banners dispostos em nosso site, sem que isso tenha qualquer impacto no preço final do produto ou serviço por você adquirido.
Quando publicamos artigos patrocinados, estes são claramente identificados ao longo do texto. Para mais informações, consulte nossa Política de Privacidade.
Não usamos inteligência artificial na geração de conteúdo do Pontos pra Voar. Os conteúdos são autorais e produzidos pelos nossos editores.





