O ano de 2018 deve ter sido um dos piores anos para passageiros frequentes no Brasil. Programas de fidelidade, por princípio, requerem comprometimento. O passageiro se compromete a voar com determinada empresa e essa, em troca, lhe recompensa com acesso a salas VIPs, upgrades e o mais importante de tudo, bilhetes prêmio. No entanto, a forma com que as empresas nacionais estão tratando esse relacionamento é no mínimo controversa.
Cada Vez Menos Benefícios aos Viajantes Frequentes
As empresas estão concedendo cada vez menos pontos a seus passageiros frequentes e ao mesmo tempo dificultando cada vez mais o acesso às categorias elite de seus programas de fidelização. Para citar apenas dois exemplos, a Smiles irá reduzir a quantidade de milhas acumuladas por real gasto em todas as classes tarifárias a partir de 2019.
Já na LATAM, um passageiro frequente terá que gastar quase R$65 mil reais por ano em passagens para chegar ao nível máximo, o Black Signature. Não precisa ser um Einstein para concluir que o número de clientes Black Signature irá cair dramaticamente. E para piorar, não me parece que irão oferecer nenhum benefício extra aos que conseguirem sobreviver às mudanças que justifique R$65 mil reais!
Cada Vez Mais Pontos no Mercado
Ao mesmo tempo que as empresas oferecem cada vez menos pontos em voos e benefícios aos passageiros frequentes, nunca foi tão fácil acumular tantos pontos sem sequer sentar em uma poltrona de um avião! Com exceção da Avianca Brasil, todas as maiores companhias aéreas brasileiras têm seus clubes de pontos ou milhas, cujo o objetivo é o mesmo: vender pontos! E estes clubes não estão restritos às cias aéreas. Basta olharmos para a Livelo, que deve ser hoje o maior clube de pontos do Brasil.
A Livelo leva o conceito de clubes de pontos um passo adiante, pois deixa o associado livre para transferir os pontos para qualquer empresa aérea e no momento que quiser. Preferencialmente quando houver uma boa promoção com bônus na transferência.
Cada Vez Mais Caro Emitir Bilhetes Prêmio
E para complicar ainda mais, temos as tais tabelas dinâmicas que levam a quantidade de milhas necessárias para uma emissão para a estratosfera dependendo do quão próximo da data da viagem o passageiro reserve o bilhete e da ocupação do voo. Um “mistério” que ninguém explica!
Todas as principais empresas aéreas brasileiras usam as tais tabelas dinâmicas, em linha com o resto do mundo para ser honesto com elas. O último a adotar esse método foi o programa Amigo da Avianca Brasil, que aliás o fez de um modo no mínimo “interessante”. Basta ver as reclamações dos membros do programa.
Impactos a Curto Prazo
Bem, essa fórmula perversa onde tira-se benefícios, vende-se cada vez mais pontos ou milhas e ao mesmo tempo aumenta-se a quantidade de milhas para se emitir um bilhete prêmio tem dado certo para as empresas aéreas brasileiras. De acordo com um relatório da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF) no primeiro semestre de 2018 o número de cadastrados em programas de fidelização cresceu 20.8%, com um aumento de 9,8% no faturamento das empresas em relação a 2017.
Ainda segundo o relatório, diferente do que ocorre com o acúmulo, quando os consumidores trocam seu saldo, os itens favoritos são as passagens de avião, destino de 73,9% dos pontos/milhas. Ou seja, com números como esses as empresas aéreas brasileiras, pelo menos por hora, não precisam se preocupar e devem continuar fazendo “melhorias” em seus programas de fidelização.
Impactos a Longo Prazo
Aqui as coisas se tornam um pouco mais difíceis de se prever. Já li várias análises sobre o assunto e por vezes as opiniões são contraditórias. Um dos poucos pontos onde as análises tendem a convergir é que no longo prazo as empresas correm o risco de perder um de seus bens mais importante – a fidelidade de seus passageiros.
A partir do momento que o passageiro se der conta que sua lealdade não é reconhecida e as regras do jogo mudam constantemente, a tendência natural é que esses consumidores comecem a buscar melhores preços e melhores serviços. E dois fatores terão pesos significativos nesse movimento.
O primeiro se chama concorrência. Os preços das passagens aéreas têm caído ao longo dos anos inclusive nas cabines premium para a alegria dos que gostam de viajar com mais conforto. Com isso, se você pode comprar um bilhete em classe executiva que te dará acesso à sala VIP, uma poltrona que vira cama e uma melhor refeição a bordo, para que se torturar correndo a trás de um programa de fidelidade que não te trata bem para no fim tentar emitir um bilhete prêmio na classe executiva?
O segundo fator tem a ver com as empresas de baixo custo que estão avançando no segmento de voos de longa distância. Por exemplo, a Norwegian oferece aos seus passageiros da premium economy quase que os mesmos benefícios que a British Airways reserva para os seus passageiros da executiva e do seu programa de fidelização, o Executive Club. Já a JetBlue tem uma cabine premium, a Mint, tão boa quanto muitas classes executivas que existem por aí. Já imaginaram o que acontecerá quando eles finalmente entrarem no mercado de voos transatlânticos?
Conclusão
Particularmente no mercado brasileiro, as empresas aéreas estão constantemente mudando as regras do jogo e tornando cada vez mais difícil a vida do passageiro frequente. Por hora, isso não teve nenhum impacto negativo na fidelização dos seus clientes que reclamam, mas no fim aceitam as mudanças. Basta ver os números acima.
Porém, o que acontecerá no médio prazo vai depender de quão agressivas sejam quaisquer novas “melhorias” que venham a ser implementadas e de como se comportará a concorrência. Uma coisa é certa, é difícil recuperar a lealdade de um cliente quando ele se cansa e passa a olhar para a concorrência ou se dá conta que se sairá muito melhor se optar por comprar um bilhete ao invés de usar milhas.
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