O vôo decola às 17:30h, previsão de tempo bom em rota, 11h sem turbulências, casa cheia, muitos upgrades para a classe executiva, férias escolares, dezembro chegou!!!! Na bagagem muitos sonhos e a esperança de um Natal frio, quem sabe com neve, na Europa!
Nesta época minha vida era uma dança de sair do forno para o freezer e do freezer para o forno, mas eu intimamente amava aquilo e como uma pessoa sempre muito positiva, aprendi a apreciar o melhor dos dois mundos. O calor brasileiro e o frio europeu.
Começa o embarque, eu na porta recebendo os passageiros com a velocidade de quem faz isso com os olhos fechados, peço o cartão de embarque, olho o sobrenome, o assento, direciono o passageiro pelo nome, quase numa cadência automática.
Aeronave de grande porte com dois corredores; senhor Silva, siga em frente e vire à direta, senhora Moraes, siga em frente e vire à esquerda… ops VIP.. larga tudo e acompanha ela até o colega estrategicamente posicionado com o melhor dos sorrisos, o cabelo arrumado… hehehehe…. coisas de comissário! Senhora Moraes chiquérrima vai para a 1A na Primeira Classe.
Decolamos, mais um vôo, ou menos um? Sempre me fazia essa pergunta e até hoje não sei a resposta!
Serviço de bordo completo, tudo cronometrado: bar, bar de novo, jantar – acabou a opção de massa, arruma outra opção, dá uma desculpa, um sorriso simpático; queijos, sobremesa, duty free!
A fila do toilet cresce, os trolleys tentam chegar até a galley, me dá licença senhor? Guarda tudo, limpa tudo! Como num passe de mágica e um excelente trabalho em equipe, a galley está segura no caso de uma turbulência imprevista.
Arruma os snacks para os comilões da madrugada e para aqueles que não dispensam uma boa conversa e um cafezinho na cozinha!
Apagam-se as luzes!
Metade da tripulação em descanso, a cabine fria e a penumbra da noite faz com que todos se acomodem, finalmente!
Me sento, na intenção de recuperar o fôlego depois de quase 4 horas de serviço de bordo sem parar e entra na galley uma moça, aparentando uns 25 anos e muito assustada, se agarra na cortina quase em desespero.
Me levanto de imediato e pergunto se posso ajudar, ela em prantos não conseguia falar. Dei uma água e pedi que se sentasse ao meu lado no crew seat, o assento de tripulante duplo, ela finalmente recobrou a respiração e muito nervosa me disse que tinha perdido sua tia.
Eu já achando que a tia, coitada, tinha sido acometida de algum mal terrível, comecei com aquelas palavras que a gente sempre diz quando alguém perde um ente querido: ahhh querida, pensa que ela descansou, ela está nas mãos de Deus!
A mulher com um olhar desesperado pegou no meu braço e repetiu que havia perdido a tia DENTRO do avião!!!! Oi? Calma minha senhora! Repete de novo por favor! Perdeu ela aqui dentro?? Recupero a consciência e penso no que poderia ter acontecido com a tia. Desmaiou no banheiro?? Mas em tom quase irônico falei para moça: calma que lá fora ela não está! Nós vamos acha-la!!!
Como você perde alguém dentro do avião? Acreditem, acontece muito com idosos por causa da pressurização, do escuro da cabine, das fileiras todas iguais… sei lá, acontece mesmo!
Bem, em uma aeronave com tantos banheiros, liguei para as galleys e numa força tarefa iniciamos a busca da tia perdida em um avião, no meio do oceano, no meio da madrugada, a 38 mil pés de altitude!
Revistamos os banheiros e nada, circulamos entre as cabines, e nada! Minha vontade era perguntar se ela não tinha esquecido a tia no lounge do aeroporto!!
Liguei minha lanterna e adivinhem onde a tia estava? Lindamente se mudou para um assento na última fileira da classe executiva, pernas esticadas, dormia como um anjo!
Confesso que me cortou o coração ter que acordar aquela senhora e entregar para a sobrinha aflita que suspirava aliviada! Elas iam para um tour pela Europa, Vikings… quantos planos para aquelas três semanas!!!
Chegamos em Londres, a tia se despede no desembarque ainda sem entender porque eu não deixei ela descansar… comissária malvada, poxa, o assento estava vazio…
Fui e voltei ao Brasil algumas vezes, sempre na mesma rota, no mesmo modo quase automático do forno para o freezer e do freezer para o forno!
Até que uma noite, saindo de Heathrow, estou novamente na porta da aeronave fazendo o embarque com o colega inglês e vejo naquela interminável fila de pessoas ansiosas para adentrar, um par de braços que acenavam incansavelmente até chegar na minha frente e em tom bem brasileiro dizer:
Oi queriiiiiiida!!!! Que bom que é você de novo!!!!
E eu: Oi senhora? Ahhhhh não. A senhora de novo nãoooooo! E começamos as duas a rir como se fôssemos velhas conhecidas.
O colega britânico me olha surpreso pela espontânea reação da senhora comigo – coisas de brasileiro, eu digo.
Levei a tia pessoalmente com a sobrinha até o assento e fiz ela prometer que não ia me dar trabalho de novo!
Durante a noite, com um café quentinho, compartilhei da alegria da viagem delas vendo as muitas fotos que levavam para casa no celular, e me alegrei mais uma vez de saber que de alguma forma, estarei para sempre na lembrança daquela viagem da tia.
Como sou afortunada de poder ter tido contato com incontáveis pessoas, participado de tantos sonhos, nestas tantas idas e vindas pelos ares!
Você acredita na lei do retorno? Eu acredito!