Os botafoguenses que me perdoem, mas o Direto da Galley de hoje é flamenguista!
No início do mês fui surpreendida com uma linda foto no Instagram. Uma obstetra com dois bebês nos braços comemorando o primeiro parto do ano, gêmeos! Dra Letizia me emocionou! Não pude deixar de roubartilhar a foto e mandar para a mãe, Jane, ex comissária e colega de vôo por muitos anos!
Por um breve instante me recordei dos filhos e filhas das amigas comissárias que voaram mais de 25 anos comigo na British Airways. Lembro de cada um deles, ainda pequenos, sentados na galley saboreando além das guloseimas, cada mínimo detalhe daquela aventura de voar com a mãe comissária!
No meu exame admissional, o médico da empresa, um britânico, me disse:
“Você tem certeza que quer voar? Porque se amanhã você for mãe e no futuro seu filho não corresponder às suas expectativas, não o culpe, a culpa será da sua profissão.”
Pronto, quase como uma profecia, aquelas palavras me acompanharam por anos e anos de trabalho. Será que os filhos de comissárias não serão boas pessoas, será que eu não vou conseguir educar minha filha? Ninguém pode nos dizer o que somos capazes de fazer; às vezes, nem nós mesmos!
Hoje posso afirmar que ele estava errado, e muito errado! Os filhos das comissárias que dividiram comigo as terapias nas galleys, nos hotéis e nos pernoites são donos de uma inteireza e atitude muito particular e estão, todos, em seus caminhos de vida com muito comprometimento!
Eles tem um elo que os une para sempre: são os filhos da aviação!
Desde muito cedo aprenderam o significado de independência, aprenderam a cuidar das plantas, a marcar o médico para quando a mãe chegar, a estudar sozinhos. Muitas vezes carentes, aprenderam também a lidar com esse sentimento.
A jornada de voo durava 8 dias e como não existia internet, dependíamos do falecido orelhão para uns breves momentos de conversa porque era muito caro ligar de Londres para o Brasil.
O som das moedas de 1 libra descendo no aparelho era nada mais que irritante pela velocidade com que a ligação durava! Plim Plim Plim…. sim amor, mamys loves you! E terminava a chamada!
Com o coração apertado de saudade, ensinei a minha filha uma historinha inglesa:
The love cup! Tenha uma caneca de café, daquelas grandes, bem estilo British tea with milk. Escreva muitas mini mensagens, dobre e deixe na caneca, faça desenhos também. Ali está o carinho, o afago, o abraço, o colo, a presença de quem ama e está muito longe por muitos dias. É o amor com desprendimento! Quando sentir saudades, pegue uma mensagem, abra e sinta a energia do amor que aproxima, une, abençoa. Mas economize para não faltar! E assim foram-se os anos e o love cup story sempre se renovando a cada retorno para casa!
As mães comissárias aprenderam e ensinaram que não podemos controlar tudo, os filhos são para o mundo, não nos pertencem! Voamos quando a escala nos pede para voar, mas quando chegamos, mesmo cansadas, nos cedemos por inteiras para compensar o tempo perdido. Você é uma mãe diferente, me disse uma vez minha filha ainda pequena, mas está tudo bem!
Hoje me orgulho de ver a realização profissional dos filhos da aviação: médicas, tatuadora e designer, nutricionista, jornalista, engenheiro, advogado, economista, bióloga …. e uma comissária de bordo!
Um Sonho Realizado
Sim, a Julia é comissária da Qatar!!! Muito dona de si, aos 21 aos foi morar em Doha! Hoje me diz que a galley é o coração do avião e eu acredito!
Filha da Daniela, amiga e colega de trabalho por muitos anos, desde pequena queria voar, o sonho dela era ser como a mãe, que também esteve na rota Brasil Londres por muitos anos com seu sorriso farto e uma alegria contagiante, a 38 mil pés, independente da data, do dia, do ano.
“Sem planejar, fui escalada para um vôo partindo do Rio de Janeiro, na saída do GIG ao ouvir o anúncio de chamada da Qatar, me emocionei ao perceber que meu sonho a tanto tempo desejado estava se realizando: uma decolagem do Brasil, partindo do Rio e eu trabalhando de comissária!
Naquele breve instante foi como mergulhar de volta na minha infância e me vi ainda pequena, me despedindo da minha mãe ali mesmo, naquele aeroporto, vendo-a ir embora para mais alguns longos dias fora de casa!
Mas segurei a emoção! Agora é a minha vez! Embarque autorizado e para minha surpresa era um voo fretado pelo time do Flamengo. Lotado! Brasileiros only! Flamengo indo para Doha para a disputa do Mundial!
Eu era a única tripulante que falava português, fiz o anúncio me apresentando e de imediato ouvi em toda a aeronave um Julia eu te amo! Uma torcida gritando meu nome!!!!! Muita emoção, é verdade!
Foram 16 horas de viagem no B777-300, trabalhei na executiva mas circulei em toda as classes para não deixar de atender os brasileiros que não falavam um bom inglês. Esse era o trabalho da minha mãe a bordo na British Airways.
De novo voei para minha infância e lembrei de quantas histórias ela contava cada vez que chegava de uma jornada de trabalho e o quanto era gratificante poder fazer a diferença na vida de outras pessoas, mesmo que somente traduzindo para nosso idioma! Agradeci por meu trabalho e pelo que minha mãe me ensinou! Aterrissamos em Doha no dia 14 de dezembro de 2019.
Bem, sou Botafogo, mas agradeço ao Flamengo por aquela experiência inesquecível. Senhoras e senhores, muito obrigada!”
Nunca desista de seus sonhos! Seja resilient e decole rumo a sua realização!