Olá viajantes! Esses dias assistindo a uma reportagem sobre a situação do Afeganistão, me veio o pensamento de que não temos muito conhecimento sobre o povo árabe aqui no Brasil. Pelo menos aqui na região onde moro, o contato com esse povo é quase nulo.
Engraçado que no dia em que falei que estava me mudando para os Emirados Árabes (há mais de uma década), os comentários que mais ouvi foram os de que tudo lá era perigoso demais, que poderia explodir uma bomba onde eu estivesse e que aquilo era uma ideia meio louca, ainda em tempo de desistir.
Pudera! Quando vemos alguma notícia relacionada a esse povo, infelizmente ela costuma trazer junto as frases: atentados terroristas de grupos extremistas, muitas bombas e intolerância religiosa. O que é realmente uma pena, pois o que com certeza mais me marcou vivendo durante sete anos lá não foram as bombas, mas a extrema e natural generosidade árabe.
Mesa Pronta
Não dá pra negar que o choque cultural é imenso mesmo. Nos primeiros meses, não conseguia identificar praticamente nada de semelhante com o Brasil. Era como ter que reaprender a viver do zero. Comida, costumes, língua, tudo era tão diferente.
Por exemplo. Em boa parte do mundo (não só no Brasil), é comum desconfiarmos de desconhecidos e estarmos sempre alerta para não sermos enrolados, explorados ou assaltados. Mas os árabes, na maioria, não parecem ter essa preocupação. Carros ficam abertos à luz do dia, pertences valiosos como celulares e carteiras ficam nas mesas em lugares públicos.
Eles são muito abertos com as pessoas, gostam de mesa cheia, e a vizinhança é sempre muito bem vinda para uma visita. Não é incomum, ao receber uma visita inesperada, eles já correrem para preparar pelo menos um chá com vários petiscos e doces. Se o horário se aproximar da janta, é muito provável que a mesa já estará posta, cheia e aberta a qualquer um que quiser chegar.
Lounge em Casa
Nas empresas aéreas árabes é comum e faz parte do contrato de trabalho o direito de morar em um amplo apartamento mobiliado, com duas ou três suítes, sem custo algum para o funcionário. O benefício também se estende a contas de luz, água e gás totalmente pagas pelo empregador todo mês. A única exigência feita é de termos que dividir o apartamento com um tripulante do mesmo sexo, sem possibilidade de escolher nacionalidade ou idade.
Sabendo disso, em sete anos tive a oportunidade de viver com um italiano, americano, sul africano, húngaro, queniano, romeno e árabe. Nunca tive problema com nenhum deles, todos foram excelentes colegas de moradia.
Pois bem. Logo que me mudei para Abu Dhabi, meu colega foi um marroquino, o Mohammed (não poderia ser outro nome, não é?). Além de super gente boa e sociável, era impressionante a sua generosidade com todos. Cozinheiro de mão cheia, vivia preparando banquetes e a casa estava sempre cheia de amigos. Nossa casa parecia um lounge.
Conheci muita gente bacana e divertida por intermédio do meu flatmate (ou colega de moradia). Sempre que a mesa estava posta era quase obrigatório aceitar o convite e puxar uma cadeira. Os árabes geralmente ficam ofendidos quando alguém recusa um convite para uma refeição ou acaba não comendo quase nada do que foi servido.
A Generosidade Como Lei
O que me chamou a atenção logo de cara é que a poucos dias morando na cidade, Mohammed me chamou para conversar e disse que sabia como era difícil financeiramente começar a viver nos Emirados, já que tudo era muito caro e não começávamos a ganhar bem até que terminássemos o treinamento de mais de um mês para enfim, podermos voar.
Dizendo isso, ele tirou da gaveta e me ofereceu 5 mil dirhams (cerca de 7.500 reais). Deixou claro que não me cobraria e que eu só deveria devolver a quantia quando já estivesse voando por um tempo e me sentisse estável financeiramente. Ele havia acabado de emprestar uma quantia considerável a uma pessoa que mal conhecia! Fiquei chocado.
Com isso, passei a prestar mais atenção nos árabes e aprendi muito com eles, mudando conceitos que estavam enraizados na minha mente a tantos anos. No início, via tudo com desconfiança, imaginava que o favor seria certamente cobrado no futuro. Mas a cobrança nunca veio…
Certa vez, conversando com um amigo árabe, ele me contou que a generosidade sempre esteve muito clara e presente no Alcorão. Ele disse estar escrito que o povo não deveria recusar um pedido de ajuda de alguém em apuros, seja de desconhecidos ou não.
Ele exemplificou, falando que se eu fosse bater na porta da casa de um árabe dizendo estar com fome e sede, a pessoa iria simplesmente retornar com um copo de água e um prato de comida. Sem que eu precisasse sequer contar uma história triste.
O Dia em que Precisei de Ajuda
Pude comprovar isso certo dia, em que voltando de um turnaround (voo do tipo bate volta. Começa e termina em casa, onde normalmente não descemos da aeronave). Era próximo do meio dia e como o voo havia sido puxado, acabei esquecendo de me alimentar. Fui sentir uma fome enorme somente após o desembarque.
Bem, segui para o Mc Donald’s do aeroporto ainda uniformizado e quando fui procurar a carteira dentro do meu trolley para fazer o pedido, me dou conta que não a havia trazido! Naquela época, não existia a opção de pagar com o celular (sem precisar deixar o mesmo de garantia). 😉
Frustrado e irritado comigo mesmo, falei pro atendente que não iria mais pedir nada pois havia esquecido a carteira. Nisso, veio um árabe com a típica roupa branca e, já puxando a carteira, disse: “Faz o teu pedido, habib! Eu pago. Você estava trabalhando e não vai deixar de comer”.
Fiquei sem palavras por um momento. Mas fiz o pedido, agradecendo o tempo todo. Perguntei como poderia fazer para pagar e ele recusou na hora, dizendo: “Não precisa! Aqui, ajudamos uns aos outros”.
No Problem, my Friend
Com o passar dos anos, fui testemunhando muitas provas de que ajudar uns aos outros era mesmo uma máxima dos árabes. Em meus primeiros dias vivendo nos Emirados, precisava ir ao aeroporto algumas vezes para abrir conta na agência bancária de lá e começar a organizar a vida. Morava na cidade (a 25 km do aeroporto).
Estava junto comigo um amigo do treinamento, que havia aproveitado pra rachar a ida de táxi. Mas não conseguíamos encontrar nenhum disponível para a volta. Um árabe então percebe que estávamos procurando por alguma coisa. Pergunta se poderia ajudar e passamos a tentar explicar tudo, com um inglês macarrônico. Para nossa surpresa, ele diz que estava mesmo indo para a cidade e que nos daria uma carona!
Até em minhas últimas semanas, contando para o gerente do meu banco (NBAD) que eu iria voltar pra casa, o mesmo imediatamente se oferece para me levar nos lugares onde ele sabia ter caixas corrugadas baratas, plástico bolha e fita.
Também me ajudou demais a resolver os trâmites com o próprio Banco e a negociar (em árabe) o meio mais vantajoso para que eu pudesse levar minhas coisas de volta ao Brasil. Jamais pediu nada em troca. “No problem, my friend.”
Gentileza Gera Gentileza
Em voos não era muito diferente. Pude testemunhar diversos atos generosos vindo dos árabes. Vi duas ou três vezes algum passageiro da executiva pagando perfumes do duty free para TODAS tripulantes mulheres do voo. Cheguei a perguntar certa vez para uma colega que foi presenteada e que eu tinha mais intimidade, se o exótico passageiro havia tentado pedir algum telefone ou contato. “Estava esperando por isso, mas ele não me pediu nada!”, respondeu.
Dizem que gentileza gera gentileza e isso parece ser verdade mesmo. Foram vários casos de passageiros oferecendo dinheiro como forma de agradecimento (e eu recusando, já que é sumariamente proibido).
Teve um Natal, onde no desembarque, uma passageira veio com um iPad que parecia novo na mão e me entregou rapidamente dizendo: “Feliz Natal! Aproveite o presente. Agradeço a tua atenção durante todo o voo”. Quando fui explicar que não poderia aceitar presentes dos passageiros, ela foi embora seguindo o fluxo de pessoas desembarcando.
Olhei para a chefe de cabine e ela estava de boca aberta.🙂 O iPad estava desbloqueado, mas não conseguimos localizar qualquer nome ou identificação nele. Assim, o generoso presente acabou em uma gaveta dos “achados e perdidos”. Faz parte.
E você? Já teve a oportunidade de conhecer o povo árabe? Tem algum relato de generosidade ou situação inusitada? Adoraria saber nos comentários. Um generoso abraço e até semana que vem!
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